quinta-feira, 29 de maio de 2014

Quatro Estações

O vento que traz o frescor
é o mesmo que traz a solidão,
assim como o amor e a dor
se abrigam no mesmo coração

As folhas que caem intermitentes
ao vento forte e outonal,
são gotas de lágrimas latentes
que lavam a alma de todo mal

Eu sei que as areias do deserto
em sua secura e contínuo movimento
trazem tua lembrança para mais perto

Mas ainda guardo junto do peito
as flores que te dei e recusaste,
na plenitude amarga de nosso leito. 

Sexo é poesia, Amor é poesia

Duas pessoas alheias no mundo
tendem a se unir por atração,
em um sentimento muito profundo
que chamam por aí de paixão

Entre beijos e carinhos trocados
o torpor desregula o pensamento,
e na loucura do fogo cruzado
o casal peca em fazer um juramento

Juramento que esfria a relação
tornando a convivência um tormento;
os sábios o chamam de amarração,
e os amarrados, de casamento

Após uma curta degustação
de sonhos e devaneios,
o casal se encaminha à separação,
sem amor, sem rodeios

Será mesmo que houve amor?
Claro que não, este é uma zombaria
usada como pretexto para o calor
que um minuto de sexo causaria.









 

Caprichos de Mulher

A mulher é uma caixa de pandora
cujo interior o homem desconhece;
num instante o romantismo adora,
no outro, do poeta já se esquece.

Caprichosa, o corpo enaltece
em gestos de narcisismo,
à medida em que cresce
vai refinando o cinismo

Num instante de volúpia e gozo
é segura de si e independente;
quando num átimo cai num fosso,
fica jocosa e dolente

Que sirva de vingança a instabilidade
da natureza da mulher;
onde há vezes em que sua vontade
é morrer por quem não as quer. 















Perfídia

Quando a noite recai sobre o mundo
em cores secas e cruas
relembro um sentimento profundo,
e de tantas faces que são tuas

Brindo com ar à tua leviandade
vazia como esta taça a reluzir;
recordo sem saudade minha mocidade
que tu docemente consumiste a sorrir

Tua mente vivia sempre trancada,
bem como teu pérfido coração;
tua voz saía amarga e abafada
quando te falava sobre minha paixão

Nunca saberei com certeza
qual de tuas faces me fitava
quando eu elogiava tua beleza
enquanto do teu corpo provava

As tuas mãos pequenas e frias
arrepiavam-me até os cabelos,
nelas residiam minhas fantasias,
minhas ilusões e meus desejos

Agora descobri quem tu eras de verdade;
nos teus meandros escondias algo falso
enevoando meus olhos com sensual vaidade:
tuas mentiras estavam sempre em meu encalço

Então, hoje me despeço da tua presença,
recomeçando a procurar um alguém
que acenda em mim esperança
e resignação, se não encontrar ninguém. 


















segunda-feira, 26 de maio de 2014

Alta Madrugada

Ao chiar de um fonógrafo,
um tango soa fanhoso
numa noite enfumaçada
de um ano poroso
que já está por terminar.

Ao rodar do disco
gira um casal no salão;
amando-se ou odiando-se,
não há mais exatidão,
nesse ambiente alcóolico
a madrugada alta já vai
e da ilusão ninguém sai.

Olham-se. Entendem-se.
Dançam sem parar
a melodia de seus corações,
despertando sentimentos
até então desconhecidos
ou já esquecidos.

Ele, um desprezível rufião;
ela, só mais uma dançarina:
ambos à margem da sociedade
e à margem da paixão,
vivendo uma realidade
fadada a naufragar.

O disco chega ao fim
e os ruídos do gramofone
enfim, se calam.
Agora, cada um para um lado
e ambos não mais se falam. 









Olhos nos Olhos

Na vida encontramos coisas únicas.
Fenômenos que não passam sem deixar marcas,
muito menos sem inspirar
as reflexões dos poetas.

Assim são teus olhos,
Cujo mirar mais doce não há.
Eles são feitos de poesia,
dos versos decassílabos
da métrica mais perfeita.
São dois oceanos de águas profundas,
recônditos em seu mistério,
o mistério das lendas mitológicas
da deusa mais bela.

Todos os dias ao te ver
Sinto uma indisfarçável necessidade
de olhar nos teus olhos,
ver teus cabelos na luz do sol
divinamente fulgurantes;
ansiando ouvir tua voz.

Tenho o desejo de falar-lhe,
ver um sorriso teu, um riso.
Todavia receio importuná-la
na sua calma singela,
e escrevo estes versos brancos
para expor o que a voz não me permite.
Espero que um dia possas sorrir para mim
e que a luz do teu olhar
invada a minha solidão,
a solidão de um árido deserto. 









segunda-feira, 19 de maio de 2014

Chumbo Trocado

Estamos cara a cara
emburrados e desgastados
numa agonia que não para
de nos fazer de rogados
um para o outro

Brigas e discussões
diariamente sem cessar
louças ao chão
discos quebrados
chumbo trocado

Você acorda
eu ponho o pão na chapa,
você me xinga
eu esqueço o pão,
abandonamos a cozinha rumo ao ninho
e enquanto isso, o pão
não queima mais do que nós.



No meio do carinho

No meio do caminho tinha uma rosa
tinha uma rosa no meio do caminho.
A rosa pendia de uma roseira velha
desabrochando em frente a mim
como a erupção de um vulcão
a erupção de um vulcão
a erupção de uma paixão

Tentei pegar a rosa
pegar a rosa
amar a rosa.
Mas esta caiu ao chão
murchou morreu escureceu.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
desse acontecimento
desse arrependimento
que afetou meu coração tão remendado
tão remendado
tão desenganado.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma rosa
tinha umas rosas pelo caminho
no meio do meu carinho tinha uma rosa.








Joãozinho

A primeira me chegou
Como quem sai d'um cabaret,
Minha presença não notou,
Mas gostei do cabelo aos pés

Deslumbrado, fui atrás
Com a chama da paixão,
Apaixonado fugiu-me a paz
E dei à moça meu coração

Insensível, riu de mim
Fui o seu triste palhaço,
A ilusão chegava ao fim
Não ganhei nenhum abraço

A segunda me chegou
Como quem vem do Paraíso,
Me entendeu e me abraçou
Alegrando-me com seu riso

Laços fraternos construímos,
Com o tempo me apaixonei,
Com uma rosa na algibeira
A ela me declarei

Recusou minha paixão
Só queria amizade,
Trocou meu coração
Pelas mentiras d'um covarde

A terceira ainda não chegou
Talvez nunca venha a existir,
Meu coração eu não dou
Tenho medo de sorrir

Meu coração endureceu
Calcificado pela dor,
Minha alma escureceu
Manchada de amargor

Ainda espero paciente
Na mesa escura de um bar
A mulher que, sorridente,
Me permita a ela amar.









quinta-feira, 15 de maio de 2014

Teus Olhos

O Sol que brilha no firmamento
Não brilha tanto quanto os olhos teus
Que me dão doce alento
Iluminando meu ser cheio de adeus

Esses olhos negros, ferozes,
Quando me fitam, perfuram,
Mas são nesses olhos vorazes
Que meus desejos se afiguram

Tão profunda é a imensidão do teu olhar...
Quisera eu poder tê-lo em mim
Só assim ficaria feliz em te amar

Não posso ter-te em meus braços
Pois teus cansaços almejam outros abraços
Mas ainda posso te olhar.











 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Début

 Eu sinto o Amor como aquela brisa fria que, ao mesmo tempo que me refresca e me inebria, é sinistra... Brisa vinda de um mar tão próximo e tão distante, em cujas águas ainda não me foi permitido nadar.
 O Amor que eu sinto, os Amores que já senti, são como fantasmas que me perseguem noite adentro, rumo a um desperto sono de caos e violência. Amizade, ciúme e rejeição, eis a tríade viciosa da qual não escapo, por não conseguir encontrar um meio termo, ou me auto sufocar antes que uma delas o faça. E fizeram. E outras incorrerão na mesma rotina, sem nunca deixar de carregar um pedaço lacrimoso de mim.