sábado, 25 de abril de 2015

Persona

Em tua saliva deveras alcoolica,
O sabor dos lábios dela descansa
Úmido, destilado por teus beijos  
Crus de boêmio só, famigerado;
A máscara mais sólida que vestes.

Ao teu lado, o meu cigarro aceso
Queima os alvéolos do meu pulmão
Senil e inútil, só não arde mais
Que os átrios gêmeos do meu coração;
Que é bem mais mascarado que o teu.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Regresso

Regressar, regressar
de volta ao começo;
quisera eu poder voltar
ao tempo que não esqueço

Não esqueço porque não posso
esquecer o que não vi,
mas desde já endosso
que de algum jeito, eu vivi

Se não vivi, vivo agora
uma realidade de pó,
atrasado, fora de hora
e quase sempre só

Insosso é o tempo atual
onde os relógios decolam
onde pessoas se isolam
e tudo é sempre normal

Meu relógio difere de vários
fiz com que retrocedessem
ponteiros e calendários
para que não voassem

Volto noites, volto dias
rumo a um passado distante,
aqui vejo vidas vãs, vazias,
que me impulsionam a ir adiante

Mas cada coisa que vejo
parece impalpável a mim,
tudo nesse ambiente é um ensejo
para eu por nisto um fim

A angústia reverbera pelo meu ser
como a música de uma velha vitrola;
poderei eu em vida morrer?
ou continuo perseguindo esmolas?

Esmolas são tudo o que sobrou
dessa época tão declinada,
tudo o que o vento ainda não levou
junto com uma era já sepultada

Minha sina é viver no baú
que eu mesmo criei,
um mundo de todo azul
que nunca sentirei

Olho para trás e vejo o universo
que antes fora o passado;
olho para a frente e vejo o regresso
onde meu ser está aprisionado

Toda a minha trajetória
pode então resumir-se assim,
numa frase sem rima nem glória:
"Meu tempo é ontem."


terça-feira, 21 de abril de 2015

What's New?

          "What's new?" - I asked her. We were alone in the dark of ourselves. She was lonely, set down on that old chair.
          "Nothing, at all. We are still repeating the past, just that. No present, no future, nothing can stop our past". After she said it, the girl of my teenage dreams, now a woman, woke up slowly and went out the room, the same room we met for the first time many years ago. I felt, on that moment, I would never see her again.






















Pintura: "Room in New York" (1932), de Edward Hopper.

Solidão

Nas horas mortas da madrugada
Uma névoa de fracassos me envolve
Fracassos de uma alma cansada
De um coração que lentamente se dissolve

A saudade de um carinho de outrora
Tortura cruelmente minha existência,
A visita da velha ceifadeira, não vejo a hora:
Que leve-me logo, agora, peço clemência!

Não há mais sentido viver aqui, remoendo,
Quando a Paz, marota fugitiva, lá encontra refúgio.
Viso lograr êxito, ao menos, morrendo.

Sonhos desfeitos, amores malfeitos
Todos naufragados num perfume de mulher.
Solidão por solidão, escolho a do eterno leito.


















Pintura: "Hombre Solo", de Juan Nicieza Lavilla.

sábado, 18 de abril de 2015

Poema Subjuntivo

Ver-te solta em si
Sorrindo sem me notar
É algo sublime;
Sublima minhas certezas
Na enfumaçada embriaguez
Do meu vigésimo cigarro.

Teus beijos suculentos
Texturas de desejos
Tu dás em outras bocas
Insanas e loucas;
Beijar-te seria conhecer
O que homens e mulheres
Quiseram um dia te oferecer.

Eu alimento minha ilusão
Com algumas poucas migalhas,
Um meio sorriso, um quase beijo,
Em que meus lábios sedentos
Roçam o canto da tua boca, úmida
Da saliva de outrem.

Mãos que não são minhas
Percorrem teu corpo quente;
Uma espessa barba qualquer
Desliza no teu pescoço,
Enquanto eu fumo de longe
Meu vigésimo primeiro cigarro,
Perturbado pelas espirais.


















Edvard Munch, "Jealousy" (1895)

sábado, 11 de abril de 2015

Marlboro

A distância da sanidade à plenitude
é do tamanho de um cigarro
que se traga até o filtro da juventude.


domingo, 5 de abril de 2015

Ambivalência

Onde não puderes amar, não te demores.
Onde puderes amar, te controles,
Pois amor e obsessão são vizinhos de porta
Que gostam de deixar lixo um na soleira do outro.

Haikai Enjoadinho

A vida me cansa
pois nunca descansa
do amor que me câncer.