Nada
mais me convence. Nem mesmo teu sorriso compadecido ou tua voz aliciante. Não
há saída para quem está preso à entrada. Como poderei livrar-me das amarras que
impus a mim mesmo? Tua sedução é tua própria loucura. Teu desespero atrai até o
que evitas. Tu me evitas. Cansas num átimo de quem te reserva a ternura de um
pupilo, de quem demonstra a admiração virúlea de um ex-amante. Confusão. De
ideias, de sentimentos, ponho meus princípios à prova para entender-te. Ainda
tenho princípios? Tenho precipícios. Entretanto, sem entender-te, atiro-me nu
em teus precipícios, enquanto tu zombas dos meus. Tu me desacreditas. Tu me
assombras. Meu assombro é o teu silêncio, o ranger da tua mente enfumaçada a injuriar-se,
a praguejar baixinho por entre gozos, por entre guizos e miados. Rugidos. Teus
rugidos não me convencem, por mais que o poder da tua juba esteja retornando ao
viço que conheci. Trouxe tua essência bem perto, quase em simbiose, quando a
simbiose era decantada apenas em ti - quando tu eras Sansão e Dalila, ambos a
ferir os mesmos poros – e senti tua pulsação em mim. Não é teu coração que
pulsa. São teus olhos, a bombear tuas lágrimas caóticas dentro das tuas
artérias semióticas. Teus olhos, tristes buracos negros a me absorver, mesmo
sem querer. Teus olhos sugam todo o sentimento do mundo, do teu mundo, cujos
portais ninguém conhece. Nem mesmo aqueles que escalaram teus vinte ou
cinquenta muros encontraram teus portais. Todos tentamos entrar. Te invadir.
Tentamos ignorar teu pranto, reduzir tua divina crueldade a fim de caber em
nossos próprios desejos, em nossos próprios ensejos mascarados de
reciprocidade. Nós, teus amantes. Teus devotos. Teus. Não há quem me convença
da tua humanidade. Tu não és humana. Tens vontade de sê-lo, mas não te adaptas.
Teu hábitat é teu próprio corpo. Mantenha-o teu. É a única coisa que possuis, pois
nem mesmo teu coração é mais relevante que teu corpo. O coração de uma deusa
bate exteriormente. Teus olhos pulsam exteriormente. Fora, longe. Lá onde teu
nirvana se estende docilmente nas planícies que teus pés já pisaram. Nem mesmo
tu, Deusa Incandescente, conheces as pradarias silvestres que te criaram. Tu
certamente descendes da natureza. Tua fúria emana do teu vulcão,
acende-apaga-acende-apaga, tão volúvel quanto as lágrimas dos teus negros
oceanos que encharcam toda a extensão das tuas estepes. E tu voas. Desapareces,
quando abres teus braços, quando envolve a todos em teus abraços. Tu voas,
porém o faz sozinha. E de algum lugar, ouço tua gargalhada pueril ao ler estas
blasfêmias. Tua gargalhada me convence.
Pintura: "Weeping Nude" (1913), de Edvard Munch.
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