sábado, 2 de janeiro de 2016

E o fogo fez-se morno

As últimas marcas da tua presença
reduziram-se a um porta retrato
inodoro e insípido e incômodo,
o qual me sorri todas as vezes
que abro a gaveta da escrivaninha.
É sobre ele que jogo a cinza dos meus cigarros;
sua forma arredondada e moldura côncava
auxiliam-me nesse pequeno recalque,
porém logo sinto remorso
e limpo cuidadosamente como que para evitar
que tu visses tamanho rancor cinzento
a enfumaçar minha espera.
“Fumando espero” é o oportuno nome
do tango que eu ponho por teimosia na vitrola.
Tu costumavas dançar ao som desse tango,
nua, cantando no teu espanhol fluente
e fumávamos até embriagar as paredes
com a fumaça de nossos corpos em chamas.
Agora o único a queimar é o meu cigarro,
à espera de alguém que não mais conheço.


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