sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Perene

Não, a vida é eterna
Abstração do mundo inteligível
Tal qual uma história materna
Repetida e sempre sensível

A vida é um círculo infindo
Que não tem início nem final,
Como a onda que sempre vem vindo:
Não se pode compreender afinal.

A vida é um eterno devir
De existências que se entrelaçam,
Que só se pode sentir
Quando as vidas passam.








sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Ranço

     A aurora que te viu sair é a mesma que te viu sorrir quando da tua chegada sem cerimônia ou alardes. Eu encaro a aurora; nela vejo as cores do teu vestido que se distancia na rua bocejante. São 5:40 da manhã e eu nunca estive de pé a essa hora em dias sóbrios, mas hoje estava completamente desperto. Justo em uma terça-feira tu resolves desertar, mulher. Se fosse no sábado, pelo menos um pouco de whisky poderia lhe oferecer. Hoje, pra beber, só o teu veneno destilado; preciso de gelo pra engolir, já que tu mesma não o faz. É muito fácil ir embora e sentar na calçada e acender um cigarro – do meu maço - e baforar olhando a minha barba por fazer. É fácil ir embora sem arrumar a cama, um disparate deixar-me com o cheiro do teu sexo no quarto onde terei que dormir sozinho. Tratarei de por outra em cima do meu colchão; ou simplesmente trocar o lençol. Nem uma nem outra, eu desço. Desço e olho para os teus olhos para que dos meus não te esqueças. Olharei até que sequem as lágrimas, olharei até que eu não sinta mais nada, até que o transe desfaça tua imagem da minha memória. Mas não. Ele chega e para no meio do caminho, de modo que nós três formamos um triângulo equilátero um tanto transgressor, pois não há igualdade. “Quando ela olha no azul dos teus olhos, amigo, é o castanho dos meus que ela quer encontrar” e esta última palavra minha se confunde com uma risada, que mais tarde vai se confundir com a dor. Mas só mais tarde.


domingo, 6 de dezembro de 2015

não tem título

este poema não tem nenhum propósito
para existir
não há nada de interessante nele
e também não há nada
de interessante na rotina
de quem o está escrevendo
- no caso eu –
apenas gasto a tinta dessa caneta
que comprei não sei onde
e paguei não sei quanto
escrevo qualquer coisa com essa caneta
preta
para estancar de alguma forma amorfa
essa noite piegas que passo em
branco

mas tem uma coisa muito engraçada
você que lê essa porcaria
certamente não tem nada melhor pra
fazer
e isto
iguala você a mim, veja só!
então faça um favor a si mesmo
e pegue uma caneta
não precisa ser preta e nem precisa ser uma caneta
na verdade
e escreva a porra que quiser
não precisa ser no papel, paredes e muros servem
e aprenda a esvaziar-se de sofás
e decassílabos

você vai ver como vai sorrir
e gargalhar até, se for dos mais
extrovertidos
quando perceber que o propósito desse
pseudo – poema
é fazer você chegar até aqui
e não colocar um ponto final









terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Felicidades, Musa

Hoje é aniversário dela
E daqui de longe eu sorrio
Ao pensar que tenho um pretexto
Para escrever para ela novamente,
Sem parecer um devoto
Não de uma santa, mas de uma deusa

O sorriso dela inspira qualquer trovador
Que se atenha em seus lábios
O encanto é inevitável;
Mas quem diabos haveria de querer evitar
Tamanha maravilha?

Não consigo encaixar em métricas
Os versos que escrevo para ela,
Nenhum esquema de rimas
Consegue traduzir
Minha estupefação
Quando ela aparece de novo
Mais magra, mais sorridente
Mais linda
(Se é que isto é possível)

Ela mora longe
Do outro lado do coração
Talvez ela só exista na minha poesia
Ou nos meus sonhos;
Nestes eu consigo abraçá-la
Nestes ela permite
Que eu afague seus cabelos.


















Modelo: Cici

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Labuta

Dorme a noite em seu leito de sonhos desfeitos
Feito o navio que de tão brutalmente imenso
Não se esparrama nos laguinhos diversos
Onde a vida ferve em sorridentes sonhos
Que acalentam o desespero cego
De quem só enxerga a luz de fora
E apaga a de dentro.

Boceja a noite em seu leito de letargia
Onde crianças amarrotam os lençóis
E ronronam fantasias impossíveis
Sobre um mundo de impossíveis verdades
Crianças que veem cores e matizes
No vento e se deixam levar pela brisa
Rumo ao tudo que constroem
A partir do nada que sabem

Acorda a noite num aquecido embalo
Que seca os lagos docemente
Faz suar as crianças imaginárias
Que despertam seus amigos concretos
Iniciam sua roda-viva perene
Impulsionam a roda-viva dos pais
E vivem na dialética solar
A ansiar pelo repouso que não virá.

















sábado, 7 de novembro de 2015

Epitáfio

Morre a luz que me alumia
o coração sem futuro:
sina triste tem no escuro,
cego por paixões vazias.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Sensorial

A saliva decantada
De uma boca tão lasciva
Goteja na carne viva
Da vontade incendiada

Os membros estão em transe,
Sentem a respiração
Dos olhos em efusão

A voz terna reconhece
A própria predileção
Arfar com sofreguidão,
E dela não mais se esquece

Aqueles lábios sutis
Nos meus lábios pueris
Criaram a epifania.







(Penetre um título)

Marejado olhar
De brilho embaçado
Cinza como o mar
Revolto e cansado
A quebrar nas rochas
De tons perturbados,
Como a tua rocha
Entre os seios magros
Úmidos das lágrimas
Caídas dos olhos
A chorar por mim
A gozar por mim
Destilada seiva
Pungente demais
Pra quem enrijece
Corações alheios
Em lugar do falo.




















Imagem: Tumblr "Draws-Art"

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Impasse

Eu que por anos tenho acreditado
Na doce convivência fraternal,
Persisto em olvidar em vão o passado
E o riso de quem me fez tanto mal

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Confusas Íris Esverdeadas

(Poema dedicado a uma amiga de longa data, cujos desencontros assemelham-se aos meus)

Uma esquina e uma saudade
Fundem-se em uma só lágrima
Que inunda o brilho do olhar
Da menina que anda só

Seu caminho está confuso
E seus pés sem qualquer rumo,
Mas seu coração sincero
Incendeia só por amor

Quando ama, ela se entrega
Com a mesma intensidade
De quando odeia com rancor
Que um dia já foi paixão

O verde do seu olhar
Quer conhecer todo o verde
Desse mundo tão imenso
Que a seus pés a surpreende

E oferece a liberdade
Ao alcance de suas mãos
É só abrir um sorriso;
Seu sorriso é o mundo.


























Modelo: Arycia

domingo, 11 de outubro de 2015

Deusa Incandescente

Nada mais me convence. Nem mesmo teu sorriso compadecido ou tua voz aliciante. Não há saída para quem está preso à entrada. Como poderei livrar-me das amarras que impus a mim mesmo? Tua sedução é tua própria loucura. Teu desespero atrai até o que evitas. Tu me evitas. Cansas num átimo de quem te reserva a ternura de um pupilo, de quem demonstra a admiração virúlea de um ex-amante. Confusão. De ideias, de sentimentos, ponho meus princípios à prova para entender-te. Ainda tenho princípios? Tenho precipícios. Entretanto, sem entender-te, atiro-me nu em teus precipícios, enquanto tu zombas dos meus. Tu me desacreditas. Tu me assombras. Meu assombro é o teu silêncio, o ranger da tua mente enfumaçada a injuriar-se, a praguejar baixinho por entre gozos, por entre guizos e miados. Rugidos. Teus rugidos não me convencem, por mais que o poder da tua juba esteja retornando ao viço que conheci. Trouxe tua essência bem perto, quase em simbiose, quando a simbiose era decantada apenas em ti - quando tu eras Sansão e Dalila, ambos a ferir os mesmos poros – e senti tua pulsação em mim. Não é teu coração que pulsa. São teus olhos, a bombear tuas lágrimas caóticas dentro das tuas artérias semióticas. Teus olhos, tristes buracos negros a me absorver, mesmo sem querer. Teus olhos sugam todo o sentimento do mundo, do teu mundo, cujos portais ninguém conhece. Nem mesmo aqueles que escalaram teus vinte ou cinquenta muros encontraram teus portais. Todos tentamos entrar. Te invadir. Tentamos ignorar teu pranto, reduzir tua divina crueldade a fim de caber em nossos próprios desejos, em nossos próprios ensejos mascarados de reciprocidade. Nós, teus amantes. Teus devotos. Teus. Não há quem me convença da tua humanidade. Tu não és humana. Tens vontade de sê-lo, mas não te adaptas. Teu hábitat é teu próprio corpo. Mantenha-o teu. É a única coisa que possuis, pois nem mesmo teu coração é mais relevante que teu corpo. O coração de uma deusa bate exteriormente. Teus olhos pulsam exteriormente. Fora, longe. Lá onde teu nirvana se estende docilmente nas planícies que teus pés já pisaram. Nem mesmo tu, Deusa Incandescente, conheces as pradarias silvestres que te criaram. Tu certamente descendes da natureza. Tua fúria emana do teu vulcão, acende-apaga-acende-apaga, tão volúvel quanto as lágrimas dos teus negros oceanos que encharcam toda a extensão das tuas estepes. E tu voas. Desapareces, quando abres teus braços, quando envolve a todos em teus abraços. Tu voas, porém o faz sozinha. E de algum lugar, ouço tua gargalhada pueril ao ler estas blasfêmias. Tua gargalhada me convence.



Pintura: "Weeping Nude" (1913), de Edvard Munch.


terça-feira, 15 de setembro de 2015

Vênus

Sob a abóbada luzidia
se estende assim faceiro
um encanto brejeiro
de felina fugidia
a ronronar sorrateira
com os olhos bem abertos
entre sorrisos incertos;
sua sedução verdadeira
rica em aromas e sabores
e em texturas inebriantes
liquefaz os amantes
com seus mil ardores;
essa mulher surreal
é alma e coração
beijo e paixão
num olhar irreal.
Essa mulher é um mundo.


Modelo: Cíci

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Relicário

Tua volúpia tão insana
hoje anda oculta no ocaso
a inspirar o meu parnaso,
pleno de intenções profanas

Ao meu toque saudosista
tua carne se contrai;
no relevo que me atrai
nem ouso pousar a vista

Sinto teus olhos em mim
e o coração solitário
a salvo em um relicário

Na escuridão dos teus olhos
quero cegar meus sentidos;
pena que estão tão cansados...


























Pintura: "La Baigneuse de Valpiçon" (1808), de Jean Auguste Dominique Ingres.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Sua Preciosa

A sua bela aliança
que reluz na sua mão
insiste com altruísmo
em provocar meu mau gênio,
a perturbar meu lirismo,
desorientando as musas
que inspiram-me a redigir
versos trôpegos e tristes
que ocasionalmente são
dedicados a você.























Edvard Munch, "Jealousy", (1896)

domingo, 2 de agosto de 2015

Canção do Exílio Final

Minha terra tem pântanos
Onde canta o carcará
Os lamentos que aqui ouço
Não os ouço como lá.

Meu céu tem mais neblina
Minhas várzeas mais ardores
Meus bosques têm mais mistérios
Minha jornada mais horrores.

Em vagar sozinha à noite,
Mais temor encontro lá;
Minha terra tem desertos
Onde se perdem os condenados.

Minha terra tem odores
Que tais não sinto cá;
Em cobrar sozinha à noite,
Mais ventanias encontro lá;
Minha terra tem pesares
Onde canta o ser pútrido.

Não permita, patrão, que eu viva;
Para que eu sempre fique lá
A desfrutar das paisagens
Lúgubres em sua existência,
E que sempre possa ouvir
A sinfonia das almas a pedir clemência,
Pois eu sou a dívida
Que todos devem pagar,
Que ninguém pode evitar;
Tome cuidado, pois a Morte pode agora
Sua pendência cobrar.











Eco

Ouço de forma nítida
Os acordes lascivos
Da tua voz sutil
A ecoarem opacos
Pelos salões pulsantes
Do meu coração vívido
Que sangra comedido
À espera talvez
Do frenesi incessante
Que perturbado sente
Ao contato enlevado
Com o calor erógeno
Da tua tez abstrata.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Alva Musa

Alvo é o tom da macia tez
Que recobre o corpo delineado,
Desde a porcelana do nobre rosto
Ao contorno dos pés nus e lascivos

Essa mulher tem o mundo em si;
Exala o mal do amor quando fuma,
A envolver seus amantes com as espirais
Que saem fervendo do calor de sua boca

Com a parcimônia de um cisne
Ela anda sobre as longas pernas,
A procurar coisas que não têm nome
Destilando prazeres que não se creem

Dentro do olhar de gata mansa,
Repousa um rio inconstante
Que inunda sua face serena
Quando transborda por amores

Em meus devaneios alcoolicos,
Me imagino a beijar-lhe os seios
Tão rijos quanto meu desejo
Tão perfeitos quanto sua cintura

É mistério o sabor de seus lábios,
Bem como a textura da relva discreta
Que numa planície quente e secreta
Se estende no infinito de seu gemido.



sábado, 18 de julho de 2015

Erosão

Quando desceste de teu pedestal
De deusa exilada na Terra,
Teus ácidos olhos oceânicos
Banharam-me por inteiro,
Inundando meus olhos tristes
De brônzea solitude.

Teu alvo sorriso foi alvorada
A iluminar-me com ternura,
A aquecer meu peito gélido
Com teu brilho de astro
Universalizado e infinito,
Pueril como a minha conduta.

Orbitava ao redor dos teus seios,
Macios como o suave organdi
Que recobria teu relevo lascivo;
Liquefazia-me em agridoce volúpia
A afogar-me interna e externamente
Nas águas turvas da tua vagina.

Quando viraste poeira cósmica
Entre meus lençóis amarrotados,
O pó do teu rosto tocava minha face
Como as lágrimas de uma viúva
Que de tanto amar, desfez-se
No mesmo pó com que fora criada.