domingo, 31 de maio de 2015

Fado

Minh’ alma está dorida de desenganos
A destilar ilusões à meia-luz
Cedendo ao fundo abismo que me seduz,
Que é o brilho dos teus olhos levianos

Choro só, escondido no frio refúgio
Das paredes do meu quarto, tão saudoso
Das espirais do teu cigarro vicioso
Cujas cinzas restaram como vestígio

Teu retorno é minha ânsia vital,
Espero ver-te na porta do meu quarto
Como outrora vieste como um vendaval

No breu dos teus olhos trazes afogados
Os meus e os teus rancores e delírios;
Quero em teu lagos continuar mergulhado.













sábado, 23 de maio de 2015

Missiva

Cora, escrevo agora sentindo a tua ausência
Emergir líquida dos meus olhos túrgidos;
Liquefazendo-me em tenro choro desabrido.
Insano desejo faz transbordar meus poros, como
Nas vezes em que me entregava do avesso
Aos teus membros e carnes e delírios sóbrios.

Saudade corre em minhas veias e artérias;
Invade meu peito árido, esmaga qualquer dignidade
Lúcida que ainda me resta. Deliro acordado com tua
Volta, com teu sorriso enfumaçado dizendo sim
Ao bom amante que à alcova quer tornar.


sábado, 16 de maio de 2015

Destilação

Me pergunto com mórbida frequência
Em que paragens teu corpo descansa,
Em quais alcovas tu buscas vingança
Para saciar tua sutil eloquência

Teus cabelos negros antes compridos
Agora são curtos como a distância
Que separa tua brutal rutilância
Dos meus desejos tão logo esquecidos

Tenho-te perto do corpo, porém
Tão longínqua da alma, que já foi tua
E hoje já não é de mais ninguém

Outra vez desejo sentir teu sabor
Fresco, da tua silhueta nababesca;
Cuja lembrança só me causa dor.


















Louise Brooks, anos 1920.

sábado, 9 de maio de 2015

Gratidão

Vês que estrago fizeste
Em meu pobre coração?
Quando simplesmente cometeste
Entre escárnios uma traição?

Admire a úlcera cavada
Por tua cínica ilusão,
E aplauda a alma esfacelada
Por tua tórrida destruição!

Hoje tu desprezas
Quem mais te ama,
Amanhã meu canto é reza
Pra esfolar tuas escamas!

Tu não perdes por esperar
Minha singela retribuição,
Nem pense em escapar
Do ódio da paixão!

Minha ira em ti cairá
Até a eternidade ter fim,
E minha boca te amaldiçoará
lançando mil pragas ruins

Mas não temas, meu amor
Serei breve, juro,
Pois diante da tua perfídia,
Ainda sou o mais puro.




sexta-feira, 8 de maio de 2015

Devoção

Venero-te como quem venera uma deusa;
Muito embora tu não repares em meu culto
E tomes meus versos insanos como insulto;
Admiro do teu sorriso a curva reclusa.

Esta distância amarga que a mim impuseste,
Esnobe, própria de ti, que me tem na cama
Por pura vaidade, para sermos amálgama;
Dois corpos febris feitos de bruma celeste.

Em minhas narinas ainda sinto ardente
A fumaça solitária dos teus cigarros
Mesclada ao teu perfume agridoce e iludente.

A sombra silente do teu corpo sinuoso
Vejo-a turva ao se afastar da minha nudez
Que ainda é parte do teu ventre saudoso.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Névoa

“Transforma-se o amador na cousa amada”
Disse o poeta que muitas paixões teve;
Em ti não quero fundir sentimentos
Pois meus pressentimentos desconfiam
Dos teus olhos castanhos traiçoeiros.

Em teu ventre tu carregas lascívia
Cega e surda, que grita encarcerada
Por liberdade, mas tu bem disfarças,
A fama de donzela a preservar
Ante teu clã, cego como a malícia
Que te comanda, como a uma orquestra
Na epifania da orgia que te sustenta

Se meu desejo de fundir-me a ti
É tão utópico, lura impossível,
Em silêncio me retiro do teu
Convívio, a esperar que o meu desejo
Se dissipe, como névoa no ar puro.