quinta-feira, 11 de junho de 2015

Eros e Philos

“A liberdade é incompatível com o amor. O amante é sempre um escravo.” 
Baronne de Staal

            Quando aquele espinho perfurara cruelmente sua mão direita, já havia perdido as contas de quantos buquês de rosas preparara até então naquele dia dos namorados enfadonho. Possuía uma modesta floricultura numa rua outrora movimentada.
            Ao aparecer algum cliente, ele sorria de modo vago, perguntando se poderia ajudar. Os rapazes não entendiam nada de flores, nem sequer sabiam o significado das cores de cada rosa – o vermelho das paixões insanas, o amarelo das amizades platônicas, o branco da falsa inocência e da paz que não se encontra no amor –  e compravam sempre as vermelhas por serem  as mais comuns. Certamente suas namoradas adoravam as mesmas flores anuais, e assim o sexo habitual estaria garantido.
            Todo ano, no dia dos namorados, ele prepara um buquê misto de rosas amarelas e vermelhas, e guarda no estoque, numa prateleira feita especialmente para esse fim. Colocava-os lado a lado, ano após ano, e lá apodreciam. Neste ano não seria diferente; porém, a cada ano, uma flor a menos era unida ao solitário buquê.
            Hoje, colocaria apenas uma flor. Não seria amarela, nem tampouco vermelha. Tingiu de preto a rosa mais alva que possuía e esperou que curtisse ao sol que entrava pela janela embaçada. Com ela seca e quente, deixou-a na referida prateleira, tendo deixado cair numa pétala uma gota de sangue da sua mão ferida pelo espinho.
            Desligou todas as luzes, fechou todos os armários e trancou a loja para sempre, com a mesma chave que usara para cerrar seu coração de amador.

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